Abril desse ano marcou o 20o ano da minha carreira no futebol americano – primeiro como jogador, e posteriormente como coach. Eu ainda me lembro do meu primeiro dia do treino de primavera no Ensino Médio, 20 anos atrás, quando entrei em campo pro meu primeiro snap e Eric Dexter me arrastou 10 jardas pra trás e me enterrou no chão.
Aquele foi o momento que eu me apaixonei pelo melhor jogo da Terra.
Desde então, eu estive envolvido com o FA em mais de 10 países diferentes, como jogador, coach e consultor. Eu joguei e treinei em níveis que foram da Division 1 da NCAA até a Liga Nacional no Brasil. O FA me me proporcionou os momentos mais altos e mais baixos da minha vida, e me moldou no homem que sou hoje.
A experiência que eu tive em Santos no último fim de semana estará pra sempre marcada como um dos piores momentos na minha carreira – o momento em que, pela primeira vez, eu testemunhei uma verdadeira desgraça para o esporte Futebol Americano; uma perversão do que esse jogo deveria ser.
Ainda que vários dos detalhes do jogo já tenham sido publicizados e que mais informações e argumentos, com certeza, ainda surgirão ao longo dos próximos dias, eu estou aqui para oferecer uma perspectiva diferente. E ela é: o Santos Tsunami não é o problema com o Futebol Americano no Brasil. Eles são somente um sintoma.
Em todos os países em que já fui coach, eu sempre trago o mesmo mantra pro meu time, no que tange a cultura do FA: Não existe um FA Italiano; Não existe um FA polonês; Não existe um FA brasileiro. Existe apenas o football. Essa mensagem não quer dizer nada a respeito dos países em si. O ponto é simplesmente que só há uma forma de jogar esse jogo.
Mas ainda que eu pregue isso e, de fato, acredite no meu âmago, eu também reconheço que cada país de fato imputa suas características particulares às suas versões nativas do Futebol Americano. E no Brasil, um desses imperativos culturais únicos é a ideia e crença de que o Futebol Americano é um jogo democrático. Precisa de provas? Apenas observe a narrativa impulsionada pela maior parte dos times quando estão recrutando jogadores: “Grande. Pequeno. Gordo. Magro. Qualquer um pode jogar esse jogo! Esse é o FA!”
Além disso, vários times do FABR são administrados pelos próprios jogadores, e vários dos indivíduos que desempenham funções de coaches nunca tiver sequer acesso a uma educação básica acerca do jogo. E isso talvez seja mais evidente na crença generalizada da comunidade do FABR de que todos que participam do Futebol Americano no Brasil tem um direito de voz garantido no que tange a condução do esporte e ao seu desenvolvimento.
Isso talvez tenha sido admirável no princípio, mas hoje – quando o FA está crescendo e se desenvolvendo de forma exponencial – esse paradigma do FABR se tornou tanto um obstáculo quanto uma distração. A verdade é que o FA NÃO é uma democracia. Nada prova isso melhor do que a estrutura de um time de FA. Como Head Coach, eu não faço uma votação com meus jogadores ou com minha comissão toda vez que tenho que chamar uma jogada ou tomar uma decisão. Sim, eu me aconselho em alguns momentos, mas em última instância o meu trabalho é guiar o time para a vitória com a compreensão de que, se eu falhar, a responsabilidade por esse fracasso estará nos meus ombros.
O argumento contra esse fato será de que “estamos todos juntos nisso”. Mas a verdade é que nós não estamos – não todos nós. Com mais de 300 times atualmente jogando FA no Brasil, a noção de que todos temos o mesmo objetivo – altruisticamente desenvolver o esporte ao máximo possível – é no mínimo ingênua, e no máximo ignorante. Como coaches, existe uma certa “regra não escrita” de que nós nos mantemos fora da política do esporte e guardamos nossas opiniões para nós mesmos. Mas eu não posso mais ficar em silêncio enquanto os piores dentre nós continuam a ser os que gritam mais alto; enquanto a mesma plataforma é dada àqueles que não tem nem a compreensão nem o interesse de levar esse esporte para frente.
No último sábado, em Santos, eu vi dois times diferentes em campo, jogando dois jogos diferentes. Eu vi o “head coach” do time adversário – um indivíduo que compartilha o mesmo título que eu – provocando jogadores, invadindo a sideline do oponente, e demonstrando completa e total ignorância acerca do espírito do Futebol Americano. Eu vi minha profissão sendo desonrada. Eu vi meu jogo desrespeitado. Eu vi algo em primeira mão que nunca deveria poder acontecer no mais alto nível competitivo do Futebol Americano de um país. E ainda que vários dos detalhes do jogo já tenham sido tornado públicos, eu vou compartilhar um que certamente ainda não foi.
Após o final do jogo, meu Head Coach Assistente, Leandro Veal – o filho nativo do FABR, que nasceu em Salvador, foi adotado aos 5 anos de idade, e acabou por se tornar o primeiro Brasileiro nato a jogar na NFL, ao longo de uma bem-sucedida carreira de 7 anos – me disse, após testemunhar o “jogo” em Santos: “Dan… se a gente não fosse amigo, eu estaria num avião pra fora do Brasil amanhã.”
O Leandro não é um coach pago aqui no Sada Cruzeiro; ele não recebe um centavo de salário. Ele está aqui, doando o tempo dele, para ajudar a construir esse programa e a crescer o esporte que ele ama no país que ele ama. Se essas palavras não envergonham a vocês enquanto membros da comunidade do FABR, então as suas prioridades estão certamente no lugar errado.
Em janeiro de 2017, eu estive na frente de centenas de coachs de FA na convenção da American Football Coaches Association, em Nashville, Tennessee – a maior reunião anual de coaches de FA do planeta – e eu os convidei a serem parte do FA no Brasil, um lindo país aonde os torcedores estavam comparecendo aos jogos aos milhares, e onde o esporte estava maduro para se desenvolver. Hoje, eu não sei o que dizer a deles a não ser que eu espero que nosso jogo em Santos não represente o FA no Brasil. Mas é o nosso trabalho, como promotores do esporte, garantir que esse sentimento reflita a realidade do FABR, e não apenas aquilo que desejamos que aconteça.
A comunidade internacional já notou o Futebol Americano no Brasil. O mundo está de olho. Se certos times não querem nada além de continuar a jogar um FA amador de várzea, com certeza deve existir espaço para eles. Mas esse espaço não pode ser compartilhado com aqueles de nós que querem levar esse esporte pra frente, e não pode ser compartilhado com aqueles times que estão começando a se desenvolver e que verdadeiramente querem fazer parte deste movimento.
O que acontece agora depende de vocês.
> Como foi a partida entre Santos Tsunami e Sada Cruzeiro
Vergonhoso é eufemismo para os acontecimentos. Conheci o futebol americano no BR com outros conceitos, participei de torcidas inteligentes, que sabiam desconcentrar o adversário com respeito, que sabiam se calar nos momentos certos e que antes de qualquer coisa estavam ali por amor e detinham o respeito. Ver esta representação, que se intitula técnico, desrespeitar e incentivar o desrespeito dentro e fora de campo, me remete a VERGONHA onde existia o orgulho em dizer que faço parte deste esporte. O que o Levy demonstra aqui é uma parte infima dos desrespeitos em campo, os relatos da arquibancada seguem o mesmo trajeto. Que não passe despercebido e nem impune, é o desejo de cada um de nós, seja repórter fotográfico, torcedor, jogador, técnicos, administrativo (…) todos deste meio que por vários motivos tem que se calar, grito eu >> QUE NÃO VIRE PIZZA << sendo um outlier da cultura brasileira e devolvendo o orgulho a todos nós.
Lethy Guerra